A trilogia de Dante Mendonça e Sandro Moser,
completa, aqui no Blog da Baixada:
Em parceria com o jornalista Sandro Moser
(autor da reportagem nunca publicada), vamos contar neste modesto espaço o sonho
do empresário Aryon Cornelsen, o pesadelo de nome de PAVOC (Parque Aquático Vila
Olímpica Cornelsen).
É um Atletiba familiar, que teve seu
início com a profecia do jornalista e ex-técnico da seleção brasileira João
Saldanha:
- O
Atlético, facilmente, está entre os 10 mais.
Na profecia escrita no Jornal do Brasil em
setembro de 1987, Saldanha admitia com algum orgulho que o Atlético fora o
primeiro time de seu coração. A família Saldanha escolheu a calma Curitiba para
se refugiar nos conturbados anos 20. O pai de João foi um dos mais importantes
quadros maragatos da revolução federalista e, perseguido, saiu com a família
pelo país.
Por ter morado menino na região conhecida como
"baixada da água verde", Saldanha deve ter lembrado destes tempos ao arriscar o
destemido vaticínio.
Tamanho otimismo se justificava. O cronista,
"Cavalheiro da Boca Maldita", fora recebido no aeroporto em uma manhã ensolarada
de primavera com todas as honras por um comitê de cavaleiros atleticanos. O
motivo da viagem era uma visita à recém-inaugurada nova sede social do Clube
Atlético Paranaense. Uma sede completa, com campos de treino, piscinas e tudo o
que mandava o figurino.
Desde o final da 2.ª Guerra Mundial quem vem de
avião a Curitiba desembarca no Aeroporto Afonso Pena. Curiosamente, a antiga
estrada que conduzia ao campo de aviação de São José (onde se localizava a tal
nova sede do atlético), Saldanha conhecia bem, pois também morara naquela
região. A área pertencente ao atual aeroporto se constitui, em parte, de
terrenos da Colônia Afonso Pena, ali implantada no início do século XX em
homenagem ao sexto Presidente da República. Nessa ocasião, o governo federal
desapropriou a área de uma fazenda, e dividiu-a em pequenas chácaras e ali
assentou uma colônia de imigrantes.
Entre as inúmeras famílias beneficiadas
estava a família Cornelsen. O avô Amaro, primeiro do clã a chegar ao Brasil já
possuía um armazém de "secos e molhados" no centro de Curitiba (na região da
atual Praça Osório). Ao seu filho Emilio coube o recebimento da escritura do
lote destinado aos Cornelsen na beira do Rio Iguaçu.
Acontece que Emilio não teve pressa em
ocupar o novo terreno e lá plantar mandioca, batata-doce e criar galinhas como a
maioria de seus vizinhos. Foi mais forte a paixão pelo Coritiba Footbal Club, a
camisa dos jovens imigrantes europeus. No Coritiba ele foi jogador, técnico e
depois dirigente. E fez questão que os três filhos homens de sua prole ali se
iniciassem no futebol.
Alcyr e Aryon, os dois mais velhos,
jogaram e foram campeões no Coritiba Foot Ball Club. Alcyr pendurou as chuteiras
ao abraçar a carreira de médico e passou a ser apenas um torcedor. Já Aryon
permaneceu sempre ligado ao futebol, ao mesmo tempo em que mantinha famoso
escritório de advocacia na cidade, fazendo "de tudo um pouco" no Clube até
chegar a presidência em 1958. Terceiro irmão, o arquiteto Airton (Lolô) se
desgarrou por conta de uma briga com o major Couto Pereira num baile de
Carnaval.
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Dos três irmãos Cornelsen (Alcyr, Aryon
e Airton), Aryon sempre permaneceu ligado ao futebol, ao mesmo tempo em que
mantinha famoso escritório de advocacia na cidade, fazendo “de tudo um pouco” no
Alto da Glória. Quando chegou à presidência do Coritiba, em 1958, deu início ao
plano de construção do novo estádio alviverde. Anos mais tarde, procurando
viabilizar a onerosa obra, criou uma espécie de loteria privada. Chamada de
Cori-Ação, causou furor em todo o Estado. Funcionava no clássico esquema dos
bingos, com sorteios auditados e transmitidos pelo rádio, e pagava prêmios
vultosos. A loteria foi o canal para a transformação do acanhado Estádio Belfort
Duarte no “gigante de concreto armado” do Alto da Glória.
No ano de 1963, o patriarca Emilio
Cornelsen faleceu, deixando a área em São José dos Pinhais de herança aos
filhos. O empreendedor Aryon comprou a parte dos irmãos e alguns lotes vizinhos.
No final do ano era proprietário de uma área de 400 mil metros
quadrados.
Um ano depois, solicitou a seu irmão
Airton, o “Lolô”, o projeto da primeira Vila Olímpica brasileira em forma de
clube social. Lolô Cornelsen, desgarrado dos coxas, foi ser campeão de 1945 pelo
ex-rival Atlético, enquanto arrebanhava fama internacional como arquiteto e
urbanista.
O complexo seria construído no terreno
de 16 alqueires em São José e, pela ideia de seu criador, faria parte da
estrutura esportiva do Coritiba Football Club. A vila comportaria cinco campos
de futebol. Um deles, com grama importada do Uruguai e drenagem, serviria para
treinamentos dos profissionais, com duas arquibancadas em volta do gramado, uma
pista de atletismo e caixas para salto. Tudo de acordo com as normas exigidas
pelo comitê do esporte olímpico.
Canchas de basquete, “stand” para tiro
ao alvo, arco e flecha, futebol de salão, vôlei, tênis, minigolfe, entre outros
esportes, complementariam o conjunto da Vila Olímpica.
Um dos objetivos do projeto era fazer
com que o parque esportivo se tornasse autossustentável com a construção de um
hotel de categoria internacional (60 apartamentos de luxo e 50 suítes).
Posteriormente, novos desejos foram incrementados ao projeto: a construção de um
restaurante de 70 metros de altura, tendo um piso giratório e um cinema ao ar
livre para 1.300 espectadores.
A partir de 1966, o PAVOC (Parque
Aquático Vila Olímpica Cornelsen) se tornou uma referência curitibana. Muito por
conta da ousadia do projeto arquitetônico de Lolô, que entre outras realizações
é responsável pelo autódromo do Estoril, em Portugal.
Esta era a Vila Olímpica que tanto
impressionou João Saldanha em setembro de 1987. Um pouco mais de dez anos atrás
ela havia mudado de mãos, passando do mais abnegado realizador coritibano ao
patrimônio do arquirrival Atlético Paranaense numa ação rocambolesca, digna da
eterna “guerra fria” entre coxas e atleticanos.
Aryon Cornelsen conta que “fez de tudo”
para que o Coritiba recebesse o Clube Olímpico, chegando até a planejar a venda
dos carnês e das cotas para associados. De seu apartamento no Alto da Glória,
repleto de fotos dos tempos gloriosos, relembrou para o repórter Sandro Moser,
com um misto de saudade e mágoa, aquela situação:
- Eram 100 metros na Avenida das Torres.
Ofereci ao Coritiba 20.000 metros quadrados de graça, mais as mensalidades dos
sócios e todo o parque construído, em troca da venda dos 50 mil primeiros
títulos patrimoniais.
• • •
O Coritiba não quis bancar o PAVOC
(Parque Aquático Vila Olímpica Cornelsen). Os conselheiros da situação achavam
que o Aryon ia ganhar muito dinheiro. E de fato ganhou. No tempo das campanhas e
loterias, Aryon chegou a ter um helicóptero particular “igual ao do filme do
Roberto Carlos”. Entretanto, a construção e manutenção do PAVOC, sem a parceria
do clube, acabou sendo a ruína do empresário.
Com um elefante branco faminto em mãos,
não restou ao visionário (antes oferecera ao Clube Concórdia, que negou) outra
alternativa: levar a mesma proposta ao Atlético Paranaense. O Atlético topou na
hora. O contrato firmado com o Atlético era um pouco diferente daquele negado
pelo Coritiba, contou o falecido Aryon Cornelsen ao repórter Sandro Moser: - Ao
Atlético eu não ofereci de graça, queria os 50 mil títulos e as mensalidades.
Então o Atlético impôs uma cláusula, 10 anos de prazo, sendo o negócio bem ou
mal sucedido...
Esta cláusula foi a ruína de Aryon. A
necessidade fez o experiente advogado aceitar as imposições leoninas,
acreditando na boa fé dos diretores do Atlético, e nas boas vendas dos títulos
durante o primeiro verão.
Ocorre que o teor do contrato vazou,
chegou como um furacão aos ouvidos de rubro-negros oportunistas que resolveram
sabotar o projeto: “Quem comprou não pague, quem não comprou não compre, pois o
parque já é nosso”.
E durante nove anos as vendas
congelaram. Aryon não conseguiu arrecadar o necessário para viabilizar o projeto
e, terminado o tempo de contrato, o complexo acabou indo inteiramente de graça
para a Baixada da Água Verde.
O Atlético Paranaense, de sua parte
nunca soube administrar o espaço conseguido da mão beijada do velho inimigo. Do
projeto inicial, restou a intenção de criar um Centro de Treinamento para a
formação de jogadores, muito antes do futebol profissional virar este negócio
milionário.
O acordo do Atlético com Aryon Cornelsen
datava de 1973. A posse atleticana fez-se em 83. O patrimônio era pouco usado.
Além dos pedalinhos para casais suburbanos apaixonados, servia mais para
impressionar investidores e visitantes como João Saldanha, na tentativa de
melhorar a imagem do clube.
Imagem que foi gradativamente se
desgastando, até que em 1995, Mário Celso Petraglia promoveu uma verdadeira
revolução na estrutura e na administração atleticana. Sempre muito íntimo do
poder, Petraglia, já de olho no terreno do antigo hotel Estância João XXIII (no
bairro do Umbará), e com o ambicioso projeto da Arena na gaveta, aproveitou-se
das grandes inundações acontecidas em Curitiba no ano de 96 e propôs uma
composição com o governo estadual. O Estado desapropriaria a área do PAVOC para
abertura de um canal extravasor do rio Iguaçu, pagando aos proprietários a
devida indenização.
Não foi a única desapropriação da área, mais de
cem decretos foram assinados em maio de 1996 pelo governador em exercício,
deputado (e ex-presidente rubro-negro) Aníbal Khury. O valor da indenização é
que foi efetivamente maior do que os demais. A quantia causou, à época,
indignação em setores da imprensa e resultou num processo (arquivado) de crime
de responsabilidade contra Khury e o governador Jaime Lerner. Com a soma
arrecadada o Atlético Paranaense pode enfim levar a cabo seus planos de
reestruturação e crescimento. Viabilizou a construção da Arena e adquiriu a
terreno e instalações do hotel, onde instalou o Centro de Treinamento Alfredo
Gottardi.
Ao final de todos estes anos, a profecia de
João Saldanha se mostrou certeira. O PAVOC, dado de presente pelo Coritiba, foi
a alavanca que impulsionou a Arena a ser indicada como o estádio paranaense da
Copa do Mundo de 2014. Assim mesmo, pelas linhas tortas por onde passam a
política e o esporte paranaenses.
Quem mandou se meter com gente picareta? É incrível como tudo envolve pilantragem nesse clube.
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