(Brasil)
A violência, enquanto fenômeno do campo esportivo pode ser considerada como um
processo social-cultural complexo, no qual intervêm fatores estruturais,
ideológicos, financeiros e culturais. Em vistas a intenção do presente em
discutir e analisar a problemática da violência e suas interfaces com o esporte,
partindo de uma perspectiva histórica deste fenômeno, o presente ensaio
apresenta duas perspectivas para aqui tratar do tema. A primeira, relacionada às
origens da violência no Brasil e suas relações com o poder nas sociedades; na
segunda, discutindo os rumos tomados pela violência esportiva na atualidade.
Numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma que se faz
de fundamental importância empreender ações que possam gerar subsídios para
novas análises e aprofundamento da temática, pois, observa-se o fato da
violência que se manifesta no esporte, no interior das arenas desportivas e no
entorno delas, perfazer uma reprodução da violência instaurada nas sociedades e
que foi construída ao longo de décadas de subserviência da população ao poder do
Estado. Portanto, tem relações diretas com o poder e é fruto da competição
exacerbada e fomentada pela sociedade capitalista, que vê na competição entre os
pares a única forma de aumentar a produção do sistema.
Em razão das várias tentativas científicas de se explicá-la enquanto fenômeno
social e esportivo encontra-se diferentes pontos de vista. A exemplo do que
relata o olhar da – antropologia - que através de suas lentes afirma que ela se
revela de diversas formas, como no estresse, no traumatismo nas frustrações,
tornando difícil uma teoria unitária (DOLLARD et. al, 1961). Pois, é segundo
esta mesma dimensão do fenômeno humano, uma das complexidades inerentes do
sujeito.
Numa
outra corrente – a biológica - definida por Lorenz (1969), considera a violência
como uma qualidade inata e estuda os fatores reacionais e os fatores inibitórios
do fenômeno.
Nessa
mesma esteira, a – neurofisiologia - trazida por Waiselfiz (1998) se vale dos
conceitos da interação, e, conseqüentemente da reação aos estímulos do ambiente,
constituindo-se de agressões. Pois as tensões geradas a partir do meio
(interações interpessoais, jogo ou as competições) são também chamadas de
estresse.
Já na
corrente – sociológica – ótica do presente ensaio, sua gênese se explica na
frustração que desencadeia a agressão (Zaluar, 1991). Nessa linha, a violência
também pode ser definida através da teoria da aprendizagem: pais violentos,
filhos violentos. Portanto, conclui-se que: sociedade violenta, esporte
violento.
A
abordagem sociológica da questão também pode ser considerada em uma díade – as
abordagens empíricas e a teoria social.
Na
primeira, os pesquisadores a relacionam ao número de acontecimentos violentos, a
partir de indicadores socioeconômicos, mensurando então a intensidade destes,
considerando sua pluralidade de manifestações (esportivas ou sociais/culturais),
sendo algumas delas o terrorismo, as guerras civis, as repressões políticas, as
religiosas, as esportivas e etc.
Na
segunda, incumbe-se da tarefa de compreender os comportamentos violentos
vinculados a algum outro fenômeno ou ambiente social (ao esporte, a escola, a
família, por exemplo), encarando estes comportamentos enquanto fenômeno social e
considerando a sua função no espaço/situação.
A violência
no cenário brasileiro
No
Brasil, a violência é responsável pela principal causa de mortalidade na faixa
entre 05 a 49 anos de idade, sendo que, de 15 a 29, ela atinge o percentual
alarmante de 64.4% das mortes entre os jovens, conferindo inegavelmente um
caráter de problema, não só esportivo, educacional ou policial, mas sim, de
saúde pública (ABRAMOVAY, 2003).
Assim,
dificilmente esse fenômeno não apresentará um vínculo estreito com o poder,
sendo possível também estabelecer várias outras conexões, assim como perceber a
dicotomia que ela comporta.
Na
historia do país, quer seja no âmbito desportivo ou social, atos extremamente
violentos nas ruas, nos estádios, nas escolas (e demais espaços coletivos), que
muitas vezes ocasionaram a coação de pessoas foram encabeçados pelo Estado ou
tiveram o seu consentimento.
Para
Foucault (1999), o poder significa antes de tudo um verbo, uma ação, uma relação
de forças, ou seja, poder não é simplesmente algo que alguém tem ou não, o poder
é uma relação constitutiva de qualquer relação social, inclusive nas relações
oriundas das atividades desportivas, tanto dos praticantes, como dos
torcedores.
Portanto, ao se analisar as raízes da violência no Brasil, ela dificilmente não
estará associada à estrutura de poder vigente dentro da sociedade e/ou dentro
dos clubes, confederações e torcidas organizadas, que também são
sociedades.
Acerca
desse último exemplo – as torcidas organizadas - configuram-se como a principal
mola propulsora dos eventos violentos da atualidade, particularmente, quando
relacionada aos episódios futebolísticos (ZALUAR, 1991).
A Exmplo
daquilo que fora denominado de comportamento – hooligan. Onde ao final dos
certames esportivos, uma verdadeira batalha é comumente instaurada entre as
torcidas organizadas, culminando em comportamentos violentos para com os
torcedores de outras equipes, bem como gerando situações de violência e
depredação do patrimônio publico e privado e na agressão a outros cidadãos, que
via de regra, se quer possuem vínculo com os eventos. Tudo isso, dentro e no
entorno dos estádios de futebol.
Atitudes
violentas são classificadas, comumente, como formas de ação, resultantes do
desequilíbrio entre fortes e fracos, ou oprimidos e opressores.
Assim,
não é possível analisar a violência de uma única maneira. Tomando-a como um
fenômeno único, pois, sua própria pluralidade é a única indicação do politeísmo
de valores, da polissemia do fato social investigado, onde o termo violência
transforma-se em uma maneira cômoda de reunir tudo o que se refere à luta, ao
conflito, ao controle, ao descontentamento, a rebeldia, que é a parte sombria
que sempre atormenta o corpo individual, quer seja no cenário social ou no
esportivo.
Uma
visão abrangente da história pode fomentar que se compreenda o percurso do
autoritarismo no Brasil, e, neste caso, o circuito das práticas arbitrárias deve
ser analisado objetivamente, pois, o funcionamento da estrutura de dominação
envolve um processo complexo, que tem como centro, o desequilíbrio social entre
os fortes e os fracos e o jogo político de forças, que produz e reproduz a ordem
das ruas.
Muitos
governos – predominantemente no Brasil – ao longo dos tempos privilegiaram a
autoridade em detrimento do consenso; concentraram o poder político em torno de
poucos, deixando de lado as instituições representativas que passaram a ter um
caráter meramente cerimonial, restringindo a liberdade, suprimindo as oposições
ou coagindo à simulação.
Na
ideologia autoritária, quer seja a social ou desportiva, a utilização da
violência tornou-se necessária à manutenção da desigualdade entre os homens. A
ordem, nesse conjunto de idéias ocupou lugar de destaque: a crença cega na
autoridade, e, por outro lado, desprezo pelos inferiores, débeis, descordenados,
menos habilidosos, menos ápitos, e os não inseridos nos padrões estéticos e
socialmente aceitáveis como vítimas, portanto.
As
rupturas políticas na história brasileira, praticamente não ocorrem no nível das
relações sociais e pessoais. Novos governos, ao assumirem o poder praticam
velhas políticas e se preocupam em edificar um imaginário popular calcado na
nova ordem vigente.
Numa
análise sobre o passado brasileiro social e desportivo, o período escravocrata
de quase 400 anos e os quase 40 anos de período de exceção, da ditadura Vargas
ao período militar, deixaram - como herança - uma cultura de autoritarismo, de
corrupção e de "malandragem", que se enraizaram no imaginário popular. Em
relação a esta última, e que se manifesta no esporte, quase que como suas
representantes legítimas.